agosto 02, 2006
















R.I.P.

Caso Gisberta: Movimentos defesa homossexuais «indignados»

Dois grupos de defesa dos direitos dos homossexuais reagiram com indignação à sentença hoje aplicada aos 13 jovens envolvidos nos maus-tratos ao transsexual Gisberta Salce Júnior, encontrado morto em Fevereiro no fosso de um prédio no Porto.

João Paulo, do Portugal Gay, afirmou à agência Lusa que as sentenças constituem «motivo de vergonha para toda a sociedade portuguesa e sobretudo para o sistema judicial português».

«A minha primeira sensação é de que a vida humana parece não ter qualquer valor para estes senhores juízes, até porque não foi um assassinato qualquer, foi um crime precedido de três dias de torturas cruéis a uma pessoa que já estava extremamente debilitada pela SIDA, pela hepatite e pela fome», afirmou.

João Paulo fez votos para que «a família da Gisberta consiga o maior apoio possível para que possa processar o Estado português por omissão de justiça».

Sérgio Vitorino, do grupo Panteras Rosa, considerou que «o mais grave neste processo é que o tribunal - e por consequência, o Estado - não reconheceu sequer ter aqui existido um assassinato».

O responsável afirmou que o grupo Panteras Rosa vai promover uma campanha de denúncia internacional contra a justiça portuguesa.

«É que nem a dignidade desta pessoa - não importa se era transexual ou não - foi reconhecida», frisou.

O Tribunal de Família e Menores do Porto (TFMP) condenou hoje os 13 menores envolvidos nos maus-tratos ao transsexual Gisberta a penas entre os 11 e os 13 meses de internamento em centros educativos.

O tribunal dividiu a condenação em três grupos de menores, com penas diferenciadas.

Seis dos jovens levaram penas de 13 meses de internamento em regime semi-aberto em centro educativo por ofensas à integridade física na forma consumada e crimes de profanação de cadáver.

Outros cinco foram condenados só por ofensas à integridade física na forma consumada a penas de 11 meses de internamento em regime semi-aberto em centro educativo.

Os restantes dois rapazes foram condenados pelo crime de omissão de auxílio, à pena de medida cautelar de acompanhamento educativo por 12 meses.

O transsexual brasileiro Gisberto Salce Júnior, 46 anos - conhecido por Gisberta ou Gis - morreu na sequência de várias agressões e o seu corpo foi encontrado em Setembro submerso no fosso de um prédio inacabado, no Campo 24 de Agosto, Porto, depois de um dos jovens ter contado o sucedido a um professor.

Um perito médico-legal concluiu que o transsexual morreu vítima de afogamento e que as lesões que lhe foram alegadamente infligidas pelos menores não eram fatais.


«De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni

Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniquidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela famosa dama
- Esta noite me servir
Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni


Mas de fato, logo ela
Tão coitad e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni

Foram tantos os pedidos
Tão sinceros tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni»


Perante tudo isto, nada mais posso acrescentar. Em Portugal o assassinato é permitido por lei. A partir daqui tudo é permitido.
Requiem in Pace, se conseguires.

















(Fonte:
Diário Digital/Lusa)
(Chico Buarque de Holanda in Geni e o Zepelin)
(Imagem: Yerka)
(Imagem: Calen Tackett)

17 Comments:

Blogger robina said...

Arrepiante! Muitas vezes me interrogo, sobre que espécie de monstros estamos "nós" a criar...

Bom dia

02 agosto, 2006 11:37  
Blogger Inha said...

Bom dia.:)


Eu quando ouvi esta notícia ontem nem queria acreditar.
Ao que isto chegou!

02 agosto, 2006 11:53  
Blogger Mano 69 said...

A moldura penal para jovens até aos dezasseis anos não é mais do que esta.

02 agosto, 2006 14:25  
Blogger Inha said...

Bonito! Então até aos dezasseis anos podem matar à vontade com requintes de malvadez ou pior, serem utilizados por terceiros como mercenários, que fica tudo na mesma? Esta escumalha é o futuro do país? Estamos fodidos!!!

02 agosto, 2006 14:34  
Blogger ivamarle said...

fiquei absolutamente indignada com a postura do Colectivo. Já não são tão crianças assim; alguém que consegue continuamente voltar e continuar um acto hediondo contra um seu semelhante, sem que isso lhe cause qualquer perturbação de moral ou algum peso na consciência, até para uma criança de 10 anos isso seria condenável, quanto mais...Quando um Estado, apelidado de Direito, consente nestas atrocidades, então...não há moral, não há justiça, não há quaiquer valores que esse mesmo Estado possa usar como bitola, com seus cidadãos...

02 agosto, 2006 15:13  
Blogger Eu said...

hoje não comento, está bem? Eu gosto de tentar rir-m e isto não tem graça nenhuma...

*

02 agosto, 2006 15:19  
Blogger Inha said...

Têm concerteza bom canastro para partir pedra ou apagar incêndios a balde durante uns bons anos!!! Mas a punição exemplar é irem passear até ao psiquiatra uma vez por semana (se forem) e pronto, é isto! Mais um incentivo aos gangs e aos cabeças rapadas e a esse estupor dessa fauna que prolifera por ai!!!....

02 agosto, 2006 15:23  
Blogger Inha said...

Eu(?), perfeitamente. Este blog reserva o dia de hoje para mostrar a sua indignação e revolta contra um sistema de justiça incapaz de punir exemplarmente estas barbaridades.

BeijInha

02 agosto, 2006 15:32  
Blogger Patioba said...

Eu às vezes sinto que ando com uma bola vermelha no nariz, uma cabeleira colorida e sapatos estilo barbatana.....

02 agosto, 2006 15:33  
Blogger O Chaparro said...

vamos ver se entendi: posso dar pazada quase até matar, por alguem em cima da linha do comboio, vem o comboio e o comboio é que é o assasino?! parece-me bem....

02 agosto, 2006 15:41  
Blogger Inha said...

Então podes juntar-te aqui à triste, Patioba.

02 agosto, 2006 15:58  
Blogger Kaos said...

A justiça quando se trata de crimes cometidos por menores é sempre algo de complicado. Em primeiro lugar as instituições onde esses jovens estavam internados deviam também eles ser responsabilizadas e os seus dirigentes penalizados. Aos jovens deveriam ter sido aplicadas penas mais severas no sentido de sentirem que o crime é castigado. Perante as penas aplicadas pouco ou nada vão sentir e nada garante que não venham, mais tarde a repetir o crime. A unica pergunta que quero fazer era se o morto fosse outro, alguém mais importante, se o tribunal teria decidido da mesma forma.
bjinhos

02 agosto, 2006 16:00  
Blogger Inha said...

Certíssimo, Chaparro. Segundo a lei vigente é exactamente isso que acabas de dizer. E se não te quizeres cansar muito podes sempre dar uma gorja a um menor de 16 anos, lavas daí as tuas mãos e ainda dormes o sono dos justos.

02 agosto, 2006 16:02  
Blogger Inha said...

Não, Kaos. A justiça em Portugal tem dois pesos e duas medidas. A Gisberta nunca teve rosto nem nome na comunicação social, nem nunca foi tratada por ela como um ser humano com direitos iguais. Era referida como "sem-abrigo", "toxicodependente", "travesti". Ou seja, um trapo, uma espécie de lixo incómdo, do qual a comunicação social e os políticos em geral gostam de se ver livres rapidamente.

BeijInha

02 agosto, 2006 16:12  
Blogger Didas said...

Parece-me que foi a maneira mais fácil do juiz se livrar de um caso que, dado as idades dos arguidos, se tornava muito complicado.
É uma história triste.

03 agosto, 2006 00:20  
Blogger Inha said...

Idade dos arguidos? Já têm muito boa idade para dar massa nas obras. Tive colegas que, com aquela idade, já tinham calos nas mãos de pegar na enxada...;)


Bons dias!:)

03 agosto, 2006 09:48  
Anonymous Anónimo said...

Mas esses calos não eram de pegar nessa enxadas, Inha ... Tem dó !

04 agosto, 2006 01:32  

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