agosto 31, 2006


















O RETRATO DE MÓNICA

Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da "Liga Internacional das Mulheres Inúteis", ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.

Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem--se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.

Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.

De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.

A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.

Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, "qualquer distracção pode causar a morte do artista". Mónica nunca tem uma distracção. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.

Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exactamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande.

Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.

O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma. O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.

É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.

E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.

Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.

Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima e toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.

Não é o desejo do amor que os une.O que os une é justamente uma vontade sem amor.

E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio, o mais firme fundamento do seu poder.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)
(Imagem:Patricia Heal)

22 Comments:

Blogger Inha said...

Estás a insinuar que a nossa Mónica-Star tem um pagem?:D))) Olha que ela é uma mulher séria...

Boas tardes!:)

31 agosto, 2006 16:48  
Blogger Inha said...

Isso então é muito mais grave!!!lollllllllllllllll
Mas são felizes assim, isso é o que importa.
No meio desta conversa veio-me à memória o para Carrilha/Carrilha, mas tá claro que é pura maldade minha...:D))))) )

31 agosto, 2006 17:21  
Blogger Inha said...

:D)))))))) Gargalhadas!!!

Nããã! Está-me a crer parecer é que anda por aí muito "Nelo" disfarçado e muita menina que paga com os olhos...hammmm... da cara a facturinha de ser uma Mónica...

(onde isto já vai... tu não puxes por mim...:D)))

31 agosto, 2006 17:33  
Blogger Inha said...

Ora essa! (gargalhadas)
A nossa Vanessa ainda há pouco chegou do colégio das freiras e tu já te queres aproveitar da bagagem informática da rapariga???:D))))

31 agosto, 2006 18:00  
Blogger ivamarle said...

este é forte!!!...e o pior de tudo é que este mundo está cheio de Mónicas frustradas que vão enfernizando a sua "espécie de vidinha" e a dos que as rodeiam.Infelizmente não é só na Literatura, que em alguns casos:"...a sua inteligência é feita, da estupidez dos outros..."
Excelente escolha!!!

31 agosto, 2006 20:47  
Anonymous Anónimo said...

There is much more simplicity in a man who eats caviar on impulse than in man who eats Grape-Nuts on principle (Chesterton)

31 agosto, 2006 21:54  
Blogger Inha said...

Bons dias!

Iva, eu fujo desta raça como o diabo da cruz! Ó cansativas! E quase tudo ratas de sacristia.

01 setembro, 2006 09:47  
Blogger Inha said...

Fresquinha, é muito chá, rapariga...:D))))

01 setembro, 2006 09:50  
Blogger Inha said...

Acho que até os ovos moles azedavam, Rosarinho...:D)))))

01 setembro, 2006 09:54  
Blogger Jesus da Terra said...

Bom dia, regressei de férias, é bom voltar a estar com os amigos.
beijo

01 setembro, 2006 10:50  
Blogger Inha said...

Bem regressado sejas, Jesus. Folgo em ver-te por cá.

Uma beijInha.;)

01 setembro, 2006 11:23  
Anonymous Anónimo said...

Chá, não, Inha.
Grape-Nuts ...whatever ...

01 setembro, 2006 11:46  
Blogger kimikkal said...

Conheço algumas assim...

01 setembro, 2006 11:51  
Blogger Rosario Andrade said...

Bom dia Inha!
...pois! E dao ca uma vontade de lhes apertar o gasganete! ou de as ver engasgar-se com um bago de uva...
Bjico!

01 setembro, 2006 12:13  
Blogger Inha said...

Conhecemos, Kimi, conhecemos... ;)

01 setembro, 2006 12:27  
Blogger Inha said...

Bom dia Rosarico!:)

Oh, mas são intocáveis, estas putas!...E nascem como ervas daninhas. É uma praga que se está a instalar aqui no burgo. Antigamente tinham a mania do ténis, agora é mais campos de golfe... :D))))))

BeijInha

01 setembro, 2006 12:34  
Anonymous Anónimo said...

Sinceramente ...a mim são-me totalmente indiferentes. Dar-lhes importância é que não dou. Guardo as minhas raivas para coisas que valham a pena. São pobres de espírito, pessoas afectadas psicológicamente, grandes traumas... para quê bater em doentes ? Elas existem porque lhes deram importância. E elas ganham a suficiente para se proliferarem.

01 setembro, 2006 14:59  
Blogger Inha said...

Pois sim mas chateiam. É que nem toda a freguesia faz parte da plateia. Então se tiveres de levar com elas, porra!!!Falam alto, chateiam toda a gente e sempre encontram a carneirada disponível para fazer eco com elas!... Um cansaço...:(

01 setembro, 2006 15:51  
Anonymous Anónimo said...

Concordo que são cansativas. Um verdadeiro desastre ecológico :-)

01 setembro, 2006 15:55  
Anonymous Anónimo said...

porra!
conheço tantas mónicas...e mónicos...
ms não deixo que façam parte da minha intimidade!

01 setembro, 2006 22:12  
Anonymous Anónimo said...

Luikki,
Eles não têem intimidade.:-)

05 setembro, 2006 02:21  
Blogger St. J. said...

Sophia, única.
Irrepetível!
A verdadeira Menina do Mar

07 setembro, 2006 22:27  

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