Blog Inha
Deixa-me ser o que sou, o que sempre fui, um rio que vai fluindo...(Mário Quintana in "Deixa-me seguir para o mar")
fevereiro 27, 2006
fevereiro 24, 2006

PRECISÃO
O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.
(Clarice Lispector)
fevereiro 23, 2006
fevereiro 22, 2006
fevereiro 21, 2006

DIVULGAÇÃO II
Acabo de ser informada por uma Directora de um Departamento de Recusos Humanos que a palavra SUBEMPREGO não existe.
EXISTE, SIM, MINHA SENHORA!
DIVULGAÇÃO
Banca recusa abertura de contas a desempregados
O não exercício de uma profissão está a impedir vários portugueses de possuírem uma simples conta bancária, refere o Diário de Notícias de terça-feira citando um alerta do Banco de Portugal para uma situação que associações de defesa do consumidor consideram tratar-se de uma atitude de «exclusão» não admissível.
Alguns bancos portugueses estão a recusar a pessoas desempregadas a possibilidade de abrir uma conta bancaria.
Ao Banco de Portugal «têm chegado reclamações e pedidos de esclarecimento relacionados com recusa de abertura de contas de depósitos por algumas instituições de crédito», alerta a autoridade de supervisão numa circular de 15 de Fevereiro.
De acordo com o banco central, o facto de alguém não desempenhar uma actividade profissional, nomeadamente donas de casa e desempregados sem direito ao respectivo subsídio, «não deve constituir motivo de recusa de abertura de contas de depósito, bastando que os próprios declarem aquelas situações».
Ainda de acordo com o jornal, a taxa de «desemprego real» da economia já estará nos 10,9%, ao invés do valor oficial de 8% recentemente divulgado se forem contabilizados os chamados inactivos disponíveis e os que estão em situação de subemprego.
(Fonte: Diário Digital)
fevereiro 20, 2006
fevereiro 17, 2006

HOUVE UM TEMPO
em que minha janela
se abria sobre uma cidade que parecia
ser feita de giz. Perto da janela havia um
pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde e, em silêncio, ia atirando
com a mão umas gotas de água sobre
as plantas. Não era uma rega: era uma
espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas
de água que caíam de seus dedos
magros e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto
crinças que vão para a escola. Pardais
que pulam pelo muro. Gatos que abrem
e fecham os olhos, sonhando com
pardais. Borboletas brancas, duas a
duas, como refelectidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega. Às
vezes um galo canta. Às vezes um
avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino. E eu me
sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem, outros que só existem
diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a
olhar, para poder vê-las assim.
(Cecília Meireles in A Arte de Ser Feliz)
fevereiro 16, 2006
fevereiro 14, 2006
fevereiro 13, 2006
fevereiro 10, 2006
fevereiro 09, 2006
ESTAVA EU SENTADO,
perto do mar, a ouvir com pouca atenção um amigo meu que falava arrebatadamente de um assunto qualquer, que me era apenas fastidioso. Sem ter consciência disso, pus-me a olhar para uma pequena quantidade de areia que entretanto apanhara com a mão; de súbito vi a beleza requintada de cada um daqueles pequenos grãos; apercebia-me de que cada pequena partícula, em vez de ser desinteressante, era feito de acordo com um padrão geométrico perfeito, com ângulos bem definidos, cada um deles dardejando uma luz intensa; cada um daqueles pequenos cristais tinha o brilho de um arco-íris... Os raios atravessavam-se uns aos outros, constituindo pequenos padrões, duma beleza tal que me deixava sem respiração... Foi então que, subitamente, a minha consciência como que se iluminou por dentro e percebi, duma forma viva, que todo o universo é feito de partículas de material, partículas que por mais desinteressantes ou desprovidas de vida que possam parecer, nunca deixam de estar carregadas daquela beleza intensa e vital. Durante um segundo ou dois, o mundo pareceu-me uma chama de glória. E uma vez extinta essa chama, ficou-me qualquer coisa que junca mais esqueci que me faz pensar constantemente na beleza que encerra cada um dos mais ínfimos fragmentos de matéria à nossa volta.
(Aldous Huxley)
fevereiro 08, 2006

COMPREENDE-SE...
... que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.
Compreende-se.
E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro, e conquistavam o Épiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.
Compreende-se.
Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.
Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.
E o nosso sofrimento para que serviu afinal?
(António Gedeão in Poema do Alegre Desespero)
(Foto: Sergey Dmitrov)
fevereiro 07, 2006

AVISO À NAVEGAÇÃO
Tenho vindo a observar, nestes últimos dias, queixas sobre roubo de blogs e caixas de correio.
Não sei que prazer tem quem o faz. Não compreendo que mentes se escondem atrás dessas atitudes. Divulgo isto, porque hoje foi o dele.
Amanhã o de qualquer um de nós.
Força Papá Urso! Tens a nossa solidariedade nesta corrente vergonhosa.
Um beijo.
fevereiro 06, 2006

PROCURA-SE UM AMIGO
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
(Vinicius de Moraes)
(Foto: Nikolai Sednin)
(Vinicius de Moraes)
(Foto: Nikolai Sednin)
fevereiro 03, 2006
fevereiro 02, 2006

NÃO TENHAS MEDO DO AMOR.
Pousa a tua mão devagar sobre o peito da terra e sente respirar no seu seio os nomes das coisas que ali estão a crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro e as campainhas azuis;
a menta perfumada para as infusões do verão e a teia de raízes de um pequeno loureiro que se organiza como uma rede de veias na confusão de um corpo.
A vida nunca foi só Inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor da tempestade que faz ruir os muros: explode no teu coração um amor-perfeito, será doce o seu pólen na corola de um beijo,
não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.
(Maria do Rosário Pedreira)
(Foto: Cartier Bresson)